Clássico é Clássico. E vice versa...

A internet é pródiga em mudar o autor de uma ideia ou frase. “Estamos chegando ao ponto de nunca sabermos quem realmente é o autor de uma frase” (frase atribuída a Machado de Assis). Mas se é verdade o que conta a lenda, que antes era contada nos jornais e rádios e hoje corre na rede, foi Jardel, ex-Vasco e Grêmio, quem disse que "Clássico é clássico e vice versa". A frase é engraçadinha e uma mancada verbal monumental, mas de certa forma encerra uma verdade sobre alguns clássicos. Um Fla x Flu, por exemplo, será sempre um Fla x Flu, não importa se o jogo é uma final, ou se os times entram em campo apenas para cumprir a tabela. O componente emocional é sempre forte, os dias seguintes são sempre engraçados (para quem ganhou) ou tristes (para quem perdeu), e pelo menos no passado, o anúncio de um Fla x Flu era sempre prenúncio de Maracanã cheio.

É bem verdade que alguns fatos vem manchando a história do “FluminenB”, ao ponto só grafarmos o nome do clube desta forma nas colunas do Conversa, para nunca deixar esquecido as “jogadas” fora de campo que enxovalham a história de um clube tão importante. Um clube tão importante que foram seus ex-jogadores que, rebeldes, formaram o primeiro time de futebol do já existente Clube de Regatas do Flamengo. A partir dali, e desde 1912, ano do primeiro jogo, a partida só cresceu em importância, simbolismo e rivalidade. O nome “Fla-Flu”, por exemplo, surgiu em 1933, quando Mário Filho, jornalista que deu nome depois ao estádio do Maracanã, assim o batizou, lembrando a vencedora Seleção Carioca de 1925, que precisou ser reunida às pressas e só juntou jogadores das duas agremiações, ficando conhecida como “Combinado Fla Flu”.  O Fla x Flu de 1941, por exemplo, ficou conhecido como o Fla x Flu das bolas da lagoa, pois na época o aterro atual ainda não existia, e o Estádio da Gávea ficava ao lado da Lagoa Rodrigo de Freitas. Para ganhar tempo e fazer o jogo acabar, já que eram favorecidos pelo resultado do jogo, os tricolores chutavam a bola para a Lagoa, postergando o reínicio. E não tinha STJD na época... E olhe que o Flamengo já foi cavalheiro com o seu rival, como em 1983, quando a vitória do Flamengo sobre o Bangu deu o título ao tricolor. Mas queriam o quê? Isso aqui é Flamengo! Agora mesmo, lembrando do 7 a zero que o time rubronegro Sub-20 levou do tricolor nesta semana pela Taça Rio, seria bom lembrar que 7 a zero também foi o placar da maior goleada entre os dois times. Neste sábado, os 7 a zero da vitória do time profissional do Flamengo completará 69 anos, pois aconteceu em 10 de junho de 1945. Ou lembrar do Zico fazendo 4 gols no Flu em março de 1976, época em que o Flu era “a máquina”. E olhe que na época tínhamos no time o Merica, o jogador mais expulso em Fla x Flus, com 3 expulsões em 76/77. Mas talvez o mais emblemático Fla x Flu, até porque temos no Conversa “testemunhas oculares da história”, foi aquele em que se registrou o maior público de um jogo entre duas equipes de futebol, com 195.603 presentes no Maracanã, sendo mais de 177 mil pagantes. Decisão do Campeonato Carioca de 1963 e Mengão Campeão. Nelson Rodrigues, que mesmo torcendo para o Flu era quase um rubronegro, a ponto de eu sempre me referir a ele como “o mais rubronegros dos tricolores”, que antes do jogo previa uma acachapante vitória tricolor, precisou “rever seus conceitos”, e fez isso com um texto que eu tomo a liberdade de repetir aqui, pois poucos passariam esta ideia com tanta graça e propriedade. Nada define melhor a alegria que eu espero que tome conta da nossa nação depois do jogo. Com a palavra um tricolor de uma época em que a maior desonestidade tinha sido chutar bolas para a lagoa:

“Dizia eu que o profeta estava certo no mérito da questão. O tricolor é o melhor, foi melhor, teve mais time. Mas há, claro, um campeão oficial, que é o Flamengo. E aqui, abro um capítulo para falar da alegria rubro-negra, santa alegria que anda solta pela cidade. Nada é mais bonito do que a euforia da massa flamenga. À saída do estádio, eu vi um crioulão arrancar a camisa diante do meu carro. Seminu, como um São Sebastião, ele dava arrancos medonhos. Do seu lábio, pendia a baba elástica e bovina do campeão.

Mesmo que eu fosse um Drácula, teria de ser tocado por essa alegria que ensopa, que encharca, que inunda a cidade. Eu não sei se o time do Flamengo, como time, mereceu o título. Mas a imensa, a patética, a abnegada torcida rubro-negra merece muito mais. Cabe então a pergunta: – quem será o personagem da semana de um abnegado Fla-Flu tão dramático para nós? Um nome me parece obrigatório: – Marcial. E nessa escolha, está dito tudo. Quando o goleiro é a figura mais importante de um time, sabemos que o adversário jogou melhor. Castilho teve muito menos trabalho. Claro que eu não incluo, entre os méritos de Marcial, o gol que Escurinho não fez. Tão pouco falo na bomba que o mesmo Escurinho enfiou na trave. Assim mesmo Marcial andou fazendo intervenções decisivas, catando bolas quase perdidas.

Amigos, eu sei que os fatos não confirmaram a profecia. Ao que o profeta só pode responder: – “Pior para os fatos!” É só.

Trecho da crônica ‘Continuo Tricolor’, de Nelson Rodrigues, publicada no jornal O Globo de 17 de dezembro de 1963

Fechando a coluna, vale notar que nada falei sobre o jogo deste domingo. Preferi discorrer sobre o Fla x Flu eterno, mas não sobre as escolhas do Jayme ou sobre o elenco que temos a disposição. Assim como não dá vontade de falar sobre seleção que tem Fred e William (Who?).

Espero que o time rubronegro entre com vontade de vencer e se esforce em campo para isso, honrando uma tradição gloriosa dos Fla x Flus, e de certa forma tirando a derrota no carioca de 2014 da pauta de gozações mútuas com meus amigos tricolores. Mas a distância para um bom futebol ainda é gigantesca, e não sei se a volta dos machucados aos poucos vai nos trazer esse futebol que sonho. Minha real esperança é que Luiz Antonio e Mugni acertem seus passes e lançamentos e que Paulinho e Alecsandro possam converte-las em gol. Para cima deles, Mengão!