Amigos do Conversa
Flamenga, confesso a minha enorme dificuldade de decidir o que dizer nessa
véspera de clássico, sem fugir do óbvio, que é a necessidade absoluta de
vitória. Um empate nos deixaria na mesmíssima posição medíocre e indigna das
tradições flamengas. Não foi uma semana fácil de digerir. Completamos a
terceira perda de escritores que me tocavam, e muito, o coração e a minha
brasilidade. Com Ariano Suassuna, lotou o táxi que levou para o céu três
grandes nomes da nossa cultura em um tempo muito curto. Imagino Ariano
discutindo com João Ubaldo e Rubem Alves no caminho de ida.
Como singela
homenagem, procurei frases eternizadas por estes três grandes brasileiros, e
que me permitam iniciar este comentário angustiado sobre o momento rubronegro.
A
compreensão exige um antecedente de experiência. Isso vale para a jardinagem,
para a beleza da música, para iniciar a criança na arte da leitura... mas ... é
preciso, antes de mais nada, desconfiar de nosso estoque de experiências,
colocar as nossas certezas de lado." (Rubem Alves)
No início de 2012
eu havia me juntado às vozes que pediam a saída de Vanderley Luxemburgo do
Flamengo. O ambiente era péssimo e a sua saída parecia um alento naquele
momento. Nunca me agradou essa figura de empresário travestido de técnico que o
Luxa encarnou depois de um período radioso de sua carreira, que alcançou seu
clímax em 2004, exatos 10 anos atrás, com o título brasileiro conquistado pelo
Santos. Acredito sinceramente que se o Luxa, naquele momento, se dedicasse
apenas ao trabalho dentro de campo, teria tido muito mais sucesso do que os
estaduais esparsos que conquistou depois, chegando ao ponto de estar desde 2013
sem emprego até ser novamente contratado pelo Flamengo.
Assim, eu jamais
indicaria o Luxa para nosso técnico neste momento. Não sei se é verdade que seu
nome foi uma imposição dos dirigentes que passaram pelo Flamengo nos anos
anteriores (os mesmos que levaram o Flamengo a esta situação de penúria e de
falta de credibilidade), mas entendo que a política de um clube, como na
política nacional, passa por alianças espúrias e pelo diálogo entre as facções,
por mais que isso não me agrade. Mas como disse o mestre Rubem Alves,
precisamos desconfiar do nosso estoque de experiências. O que significa que as
vezes temos que aceitar a possibilidade de estarmos errados, mesmo que a voz da razão e as nossas vivências digam o contrário.
O fato é que não
podíamos continuar como estávamos, perdendo seguidamente e a cada jogo
apresentando um futebol pior que o anterior, e com os mesmos erros de
escalação. Ney Franco não tinha mais efeito como comandante deste grupo e se em
7 jogos (e trinta dias de treino!) não havia conseguido impor um padrão de
jogo, com ele nosso destino estava traçado. Estávamos completamente vulneráveis
defensivamente e sem marcar gols. Pior, a bola simplesmente não passava pelo
nosso meio de campo. Como as opções no Brasil (Tite, Felipão) trariam o estilo
“gaúchobol” ao Flamengo, e confiando que o Sampaoli realmente não aceitou o
nosso convite, acabei entendendo que talvez um Luxa despido de sua arrogância
habitual, mais propenso a limitar o seu trabalho às quatro linhas, poderia ser
uma solução de choque para um time que realmente precisava de um impacto, e de uma medida que se coadunasse com a força
desta torcida. Torcida que, a meu ver erradamente (mas compreensivelmente), já
tinha perdido as estribeiras na agressão ao jogador (ou ex-jogador) André
Santos, uma espécie de símbolo do Flamengo modorrento e preguiçoso dos últimos
tempos. Me ocorre trazer uma interpretação “ubaldiana” para este sentimento de
revolta: “Jogar ovos, tomates
e tortas na cara de autoridades e pomposos variados é comportamento
relativamente comum nas democracias mais consolidadas, com exceção da
americana, onde o pessoal prefere dar tiro mesmo.” (João Ubaldo Ribeiro)
Mas depois desse
longo introito, nem vou me deter para falar da possível contratação de Robinho
por inimagináveis 900 mil reais mensais, já que até agora isso foi apenas um
factóide lançado pelo nosso ex-presidente que contratou mais de 100 jogadores
em dois anos de mandato. Se virar realidade voltamos ao assunto. O que me
interessa mesmo é o estado de espírito da Nação RuboNegra. De um momento de
absoluto descrédito e falta de confiança, passamos para a euforia absoluta. Já
durante a semana a fila de ingressos parecia fila de hospital público às seis
da manhã. Talvez pelo fato de ser a volta do time ao Maracanã, talvez pelos
problemas na obtenção dos ingressos... Mas com certeza pelo magnífico espírito
rubronegro que culminou com uma presença maciça no treino deste sábado, com
direito a cântico novo e uma empolgação digna de final de campeonato.
Aí vale perguntar:
QUE TORCIDA É ESSA? Que sentimento move esta massa capaz de sustentar uma
campanha rumo às principais posições na tabela com a força do seu grito, do seu
suado ingresso e de suas orações vindas de todos os cantos deste país? Que
coisa maravilhosa este sentimento de pertencimento que une pessoas tão
diferentes no dia a dia, de todas as classes sociais, de todas as religiões e
de todos os sotaques. Mesmo na rabeira da tabela, me dá vontade de gritar: Como
é bom ser Flamengo!
Embora de minha parte, prefira me ater ao
nosso queridíssimo Suassuna, que diz: "O otimista é um tolo. O pessimista, um
chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso."
(Ariano Suassuna), é preciso
reconhecer que a direção vem buscando um caminho. Os ingressos se tornaram mais
acessíveis, e o técnico fez uma convocação dizendo que “a Nação tem que comparecer e nos apoiar.
Esquece o que estamos passando, nossa razão de ser é a Nação Rubro-Negra...todo
mundo que trabalha hoje no Flamengo está de passagem por aqui, o Flamengo
existe por causa da sua torcida. Se ela nos abandonar, o clube acaba”. Ou seja, só falta em campo o Flamengo nos
presentear com uma bela atuação, com uma garra verdadeiramente rubronegra e com
um futebol consistente, que compense esta euforia desmedida. Só o fato de não
termos Felipe, André Santos e Elano em campo já é motivo para prever uma
atuação mais equilibrada. O Botafogo que se cuide. Se depender da torcida, a
cachorrada vai ser vacinada...
Saudações RubroNegras!